"E na clareza das palavras o mundo se fez entender..." (Victor Ferreira)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Projeto Felizconto. Quem somos?


Junho de 2009. Mês em que o sonho nasceu. Pré-vestibular. Pouco restava tempo destinado às atividades que me realizavam por completo. Ficar longe dos palcos, textos, ensaios e daquela rotina para mim essencial era quase que tortura.

Duas semanas foi o período dado no ano letivo para que os alunos pudessem usufruir de recesso. Não houve outra! Senti que o tempo precisava ser bem empregado e, na verdade, ele foi muito mais que isto. O tempo me permitiu dar origem a um projeto que aflorou ainda mais a minha sensibilidade, me fez um cidadão ainda mais consciente de minha função social e um ser-humano ainda mais investidor do amor por intermédio da solidariedade.

Em princípio chamada de "Embola", a ação foi programada de maneira que na primeira semana das férias os ensaios de um espetáculo infantil pudessem acontecer e os dias seguintes fossem ocupados pela apresentação deste em 5 instituições de caridade. Assim foi feito. Juntei-me com três amigas, também envolvidas com o trabalho teatral, e no mini-prazo montamos a peça "Embola História", cujo roteiro tratava da junção de três contos: "Chapeuzinho Vermelho", "João e Maria" e "Procura-se um Príncipe". Em 40 minutos de apresentação, sentíamos o puro envolvimento das crianças e o quanto era simples levá-las por alguns instantes a mundos extremamente lúdicos.

Terminado o proveitoso recesso,a correria de pré-vestibulando voltou à tona. No meu coração, entretanto, a lembrança dos sorrisos mais singelos e agradecidos não permitia que eu deixasse para trás um projeto assim.

Janeiro de 2010. Aprovado no vestibular, não mais havia pretexto para estacionar o voluntariado. Com o desencontro de horários, acabei, infelizmente, tendo que levar o projeto só, mesmo reconhecendo mais tarde que, na verdade, eu, no meio de meu generoso público, também estava bem acompanhado. Estava completamente envolto por amor, carinho, encanto e admiração.

Agora chamado de "Felizconto", o projeto traz como roteiro uma contação de histórias onde o personagem Teco, em pouco mais de 20 minutos, representa, através de recursos teatrais, as histórias "Bom Dia, Todas as Cores", de Ruth Rocha, e "As Maçãs Mágicas", de minha autoria. Terminada a contação, são desenvolvidas atividades que se relacionam de alguma forma com as histórias, e crianças, pais e funcionários acabam por deixar sem perceber a imaginação dar o comando.

Com primeiras edições no Hospital Infantil Varela Santiago, o projeto engatinhou e passou a visitar demais instituições de caridade. Chegamos ao Orfanato Nosso Lar, no bairro de Lagoa Seca, e ao Centro de Educação Infantil Mãe Sinhá, em Parnamirim. Bem recebidos, colorimos por corridas horas a dura realidade de inúmeras crianças.

Ter sempre ao meu lado pessoas que apostam e compram os meus sonhos comigo é primordial. Familiares e amigos se envolveram no projeto de maneira estimulante. Fosse por doação de materiais, fosse por doação de amor, ou de pura entrega. Em visitas, o projeto também recebe voluntários que se engajam de alguma maneira no trabalho. Não houve uma edição que eu precisasse de amigos comigo e que estes não estiveram à disposição. A todos o meu muito obrigado.

Depois de 20 edições, o projeto vem se organizando e ganhando forças com o apoio de parceiros humanizados e realizadores de sonhos. Para o próprio voluntário, o retorno é mais que valioso. Somente o fato de saber que é útil e importante para alguém que precisa dele já é em muito encantador.

Hoje, a inserção do "Parceiro Felizcontente" acontece de diversas maneiras. As atividades são divididas entre grupos, de maneira que, quando unidos, possam realizar as edições do projeto:


1) Voluntariado de Animação

A ação se dá pela visitação dos voluntários às instituições e à execução de atividades recreativas com o público atendido.


2) Voluntariado de Apoio

Também requer a visita do voluntário às instituições e consiste no apoio deste quanto aos serviços necessários para o evento, seja na cozinha, seja no transporte, seja na montagem de estrutura, na limpeza, ou na instalação de recursos utilizados no evento.


3) Voluntariado de Produção

A este voluntário é dada a função de promover, divulgar, bem como reunir os integrantes para o planejamento de programação. Também compete a ele o agendamento de horários, a apresentação do projeto e o cadastramento das instituições.


4) Voluntariado Financeiro

Consiste na doação de materiais utilizados pelo projeto nos eventos. Para isso, uma lista de material é sistematicamente divulgada e o voluntário pode arcar com algum tipo de contribuição.


As visitas hoje ocorrem semanalmente, sendo intercaladas entre o Hospital Infantil Varela Santiago e o Orfanato Nosso Lar. Em breve daremos início às edições também em outras instituições. O integrante pode engajar-se em mais de um serviço voluntariado.

É de maneira singela que conseguiremos transformar a nossa sociedade. É tentando, de início , envolver de amor o meio no qual estamos inseridos para que o afeto seja expandido e o mundo possa, ainda, mudar para melhor. É possível ver tudo o que está acontecendo e ficar parado? Se temos acesso a ferramentas que podem ser usadas para as mudanças, porque não usá-las? Porque não engajar-se?


Para tornar-se "Parceiro Felizcontente", entre em contato conosco, através de projetofelizconto@hotmail.com. Contamos com você nessa empreitada por quem precisa da gente!


Victor Ferreira

Projeto Felizconto

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Engaje-se! Seja um amigo Felizcontente!


Há três meses o Projeto Felizconto arranca sorrisos em diversas instituições filantrópicas de nossa cidade.

Constituído essencialmente de uma lúdica contação de histórias executada pelo ator Victor Ferreira, fundador do projeto, este ainda recebe voluntários que atuam de diversas maneiras nas ações realizadas, sempre acrescentando e oferecendo um maior entretenimento às crianças atendidas.

Hoje funcionando de maneira sistemática no Hospital Infantil Varela Santiago e no Orfanato Nosso Lar, a ação ainda procura chegar a novas instituições, buscando a qualquer modo encantar e acalentar os pequenos corações.

Se você acredita na função social que o ser-humano tem para com o meio em que está inserido e aposta na transformação da sociedade por intermédio do amor, junte-se a nós! Seja um amigo Felizcontente. Os campos de atuação são diversos, mas o resultado um só: Gratificação.

Para melhor conhecer o projeto, receber nossa programação, ou aliar-se a nós, entre em contato conosco: projetofelizconto@hotmail.com


"A avaliação final da sua vida não será feita pela apreciação de quão bem você viveu, mas sobre quão bem, ou não, viveram outras pessoas por causa de você..." (Bill Gates)

terça-feira, 6 de abril de 2010

Falta sentido

"...Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção..." (Oswaldo Montenegro)

Desde que criado, o universo vem sendo berço de mudanças que mantêm viva a sua dinâmica. O mundo se adapta incessantemente às novas condições sem que haja um limite para as descobertas.

O tema é bem sugestivo se relacionado ao último artigo que aqui publiquei, onde tratei de uma mudança pela qual passei. Entretanto, não foi ele que me inspirou. Dias atrás, uma notícia me chocou e provocou até demais. A provocação não foi de reflexão, mas de absoluta repulsa. O Diário de Natal publicara a notícia de que um performer (artista que trabalha com a arte performática) houvera, durante a abertura do XIII Salão das Artes da Cidade do Natal, realizada no Nalva Melo Café Salão, retirado um rosário do ânus. O incômodo, primeiro, foi por saber que a arte, criada para progredir e elevar o intelecto do nosso povo, vem sendo instrumento de regressão. Depois, por ser artista, e reconhecer que dentro de nossa classe há tamanha barbárie. De ante mão, vale ressaltar que o que aqui escrevo nada faz referência ao artista que executou o trabalho, mas ao resultado que essa forma de expressão artística e a manipulação da arte contemporânea, em geral, vêm trazendo. Melhor, não trazendo...


Qual grande transformação ocorreu na nossa sociedade de forma instantânea e drástica? Qual foi a revolução que se deu do dia para a noite modificando realmente e totalmente o ser-humano e o meio no qual estivesse envolto? Nem Napoleão, na inovadora e gigante Revolução Francesa, mudou o sistema num piscar de olhos. Havia, antes de tudo, toda uma bagagem que tornava favorável a mudança e esta, antes de mais nada, era coerente. Ou seja, o que quero dizer é que não há transformação sem singeleza. Não é de forma brusca que uma lagarta vira borboleta.


A Performance tem origem ligada a movimentos de vanguarda. As apresentações, inusitadas, procuram levar o público a uma reflexão, em geral sobre os valores modernos, e não poupam irreverência e questionamentos. Há no artista contemporâneo uma crítica de si mesmo, de maneira que se generalize, visto que ele pertence a uma sociedade. Na arte dramática, este chega a construir meios-personagens, numa mistura que confunde e mal-delimita, em cena, quem é ator e quem é personagem. Acredita que essa proximidade íntima com a sociedade moderna possa levá-la a uma reflexão. De primeira instância, louvável, visto que se faz necessária a revisão dos valores distorcidos. O que está acontecendo, entretanto, é que em vez de permitir tal reflexão, as manifestações só confundem, chocam e afastam o público do teatro.


De que maneira vamos conseguir uma platéia viva e satisfeita se não procurarmos usar de sua linguagem? Se não procurarmos colocar a reflexão como conseqüência de nosso trabalho e não como condição para que ele seja feito? Porque não usar do humor? Porque não usar da clareza? Porque não usar da leveza? Isso! Leveza! Um público que vai ao teatro já tem por si só as tensões do dia-a-dia. Entrar numa sala de espetáculos e se ver tensionado por cenas confusas e incoerentes é demais! Paciência! Queira sim, queira não, a arte é um comércio. E se não o público, quem nos sustentará? A própria classe?


Não é a toa que os espetáculos de humor, as boas histórias e os grupos conceituados lotam os teatros de nossa cidade. Público nós temos sim! O que falta é uma compreensão para com esse público e uma vontade de chegar até ele.

Não me interpretem mal, por favor. Não estou dizendo que devemos manter os valores perdidos e agüentar calados as aberrações da sociedade sem usar da arte como um meio de protesto. Jamais! Seria uma crueldade, visto que é do artista ser engajado. O que eu ponho em questão é a forma como fazemos esse protesto. Se o envolvermos de doçura, bom-humor, leveza e, principalmente, entretenimento, chegaremos a uma resposta muito mais rápida e lucrativa. Para o público, um programa realmente agradável. Para o artista, admiração e apreço ao seu trabalho.

quarta-feira, 24 de março de 2010

A mim, um presente.


Nunca foi de meu repertório, muito menos interesse, discutir religião, crença, cultos ou ícones, visto que vejo a fé como algo superior a tais pontos e pouco dependente deles no ponto de vista espiritual. Entretanto, venho hoje compartilhar uma vivência. Um testemunho? Será? Pretendo que não! Não confundam! Acredito que a descoberta de forças maiores é algo que vem de dentro e o que tenho a lhes falar é somente uma partilha.

Há pouco mais de 1 mês, o relógio marcava os últimos minutos do sábado e eu vagava pela internet quando a chamada para a audição de elenco do espetáculo "A Paixão de Cristo" me apareceu entre tópicos numa comunidade do Orkut. O teste aconteceria às 8h do dia seguinte. Sem muita perspectiva, programei o despertador.

Domingo. Nenhum som me desperta. Às 8:15h acordo, olho o relógio, e vejo que o melhor a se fazer é continuar a dormir. A chuva escorre na janela e um sono enorme me convida à cama. Durmo. Volto. Uma força muito maior me move à tomar banho, arrumar-me e ir pegar ônibus na parada mais próxima. A água não permite. Sem problemas, meu pai acorda e se dispõe a me deixar.

Na audição, encontro poucos amigos e inúmeras pessoas enturmadas e pertencentes à comunidade católica responsável pelo espetáculo. Poucos eram os papéis restantes para atores e o teste focava o elenco para dançar uma história que antecedia a "Paixão" em si. Por via das dúvidas, fiz. Já estava por lá. Faltava-me desejo para pertencer ao elenco, mas algo me movia a continuar por alí. O teste ocorreu. Passei. Dias depois, já me encontrava à dar pulos e jogar braços numa corrida coreografia.

Aquilo estava me custando caro. As manhãs de domingo eram ocupadas pelos incessantes ensaios e conseqüentemente, os sábados a noite também. Paralelo a tudo, comecei a sentir de início um vazio que precisava ser ocupado urgentemente.

Longe de mim qualquer crise existencial. Sempre fui centrado e bem resolvido por demais para agora entrar em conflito por sentir-me assim, com um vazio sem explicação. Ao mesmo, os ensaios me tomavam de uma forma que cheguei a acordar querendo que a noite vinhesse o mais rápido possível e junto à todos eu pudesse sentir uma paz no meu coração. Por ironia, a história que contávamos ainda se tratava de essência, de desejo, de prazeres imediatos, e, sem muita formalidade, toda minha técnica, toda minha preocupação com o meu ego artista, se foram, e o que alí eu ilustrava, alí eu sentia como se aquele vazio precisasse ser descrito, colocado para fora.

Por alguns momentos, pus-me a rir. Nunca acreditei em transformações promovidas pela Igreja em si. Mas alí eu descobri que isso, na verdade, é o de menos, e que eu precisava, a qualquer custo, viver aquilo. Por muitas vezes, cheguei aos ensaios dividido, com dúvidas que precisavam urgentemente de resposta, visto que nunca fizeram parte de mim. O próprio fato de estar dentro de uma instituição religiosa me incomodava, visto que uma crosta de alguns preconceitos ainda me era pertencida. E alguém, parecendo tudo adivinhar, soltava respostas ao ar. Como se eu as houvesse realmente pedido. Orações, que antes para mim não passavam de um culto superficial, agora me tocavam de uma maneira que preenchiam por alguns instantes o vazio que eu guardava aqui dentro.

Não que eu tenha mudado, que eu tenha me convertido ou abandonado todos os prazeres carnais.Eles também me fazem bem. Minha essência, acredito, sempre foi essa. Mas pude, com o processo, aprender que acima deles há um mundo infinitamente maior e que pode, sem dúvidas, me tornar completo.
Hoje, quarta-feira, aguardo como nunca a estréia de um espetáculo. Brincadeira. Já tive projetos de responsabilidade inteiramente minha ou de infinita participação e preocupação para mim, mas hoje, a responsabilidade que sinto, é para com minha essência, é para com as energias que eu quero vibrar. No primeiro domingo de ensaio, machuquei a garganta. Domingo retrasado, lesei o calcanhar. Domingo passado, fraturei o dedo midinho. Me pus a pensar o porquê de tais problemas, logo eu que preciso demais viver tudo isso. E compreendi que os mesmos não pagam um décimo do crescimento que hoje recebo. Segunda, por palavras soltas, alguém, tocando no gesso, me falou - "É pra mostrar que você é muito mais que isso..." - e isso, para mim, valeu todo o resto.

A mudança que hoje sinto em meu coração não foi instantânea nem fácil. Custou-me melancolia, falta de paciência e imcompreensão por muitos momentos, mas foi dentro deles que eu pude me olhar no espelho e perguntar o que estava errado, onde eu estava errando, e que se tudo que eu tinha para mim era esse corpo de pouco menos de 60 quilos, e ainda mais, se ela seria meu para sempre.

Meu coração, hoje, enche-se de alegria, ao saber que sou mais, e ainda melhor. Que ao meu redor fitas e fitas de amor me envolvem. O amor de meus pais, familiares, o amor de meus amigos, o amor dos que me querem bem, e um amor espiritual tão intenso, que me deu todos os amores antes ditos como intermédio de sua grandeza.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Distância.com


Há dias conversava com um senhor de aproximadamente seus 60 anos e este relatava que no posterior final de semana lhe esperava o 35 reencontro de sua turma de faculdade, ocorrido anualmente e dotado da presença de todos os antigos universitários. Quase todos, aliás. O tempo vinha se encarregando de aos poucos levar componentes à outros planos e, quem sabe, mais tarde, promover os reencontros na imensidão. O senhor comentava que o contato entre os amigos permanecera constante desde a conclusão do curso e, mesmo num tempo em que os meios de comunicação eram precários, a separação não foi motivo de isolamento.

Pus-me a pensar como isso podia realmente acontecer, visto que os emails não fariam as chamadas, o Orkut não permitiria uma discussão de onde poderia ser realizada a comemoração, as sms no celular não trariam os lembretes para quando a data se aproximasse e o Msn não manteria constante o contato. É mesmo possível que há 35 anos a turma de faculdade se reencontre?

Ao mesmo tempo, a velha reflexão sobre a superficialidade dos relacionamentos que atinge a modernidade também me veio à cabeça. Talvez, há 35 anos, a turma mantenha laços firmes de amizade, lealdade e companheirismo. Laços que as redes de comunicação atuais, mesmo permitindo a instantaneidade das informações, não pode construir. A tecnologia cada vez mais produz avanços que proporcionam a maior integração dos homens e estes, em contrapartida, cada vez mais se isolam em mundos só seus. Mundos, que muitas vezes, não passam de uma rede virtual.

Quer dizer que o problema está aí? Talvez. É tão mais simples discutir à distância, visto que os olhos não se cruzam. É tão mais simples dizer a mentira à distância, visto que não existe o corpo pra denunciar. É tão mais simples dar recado à distância, visto que o marasmo é uma constante do nosso tempo. Já peguei-me milhões de vezes à me comunicar com meu irmão por uma rede de mensagens instantâneas, estando ele não mais longe que no quarto ao lado. E nisso tudo, onde fica a troca dos calores humanos? Há realmente uma maior interação entre os povos ou há uma maquiagem que proporcione tal interação? Uma maquiagem até de emoções, digamos.

Voltemos à turma reencontrada. No tempo que se formou, os sentimentos ainda eram reais. Eram completos. E foi a verdade deles que moveu os amigos, mesmo sem recursos comunicativos a seu dispor, a continuarem assim, em amizade.

Mais uma controvérsia se soma às diferenças absurdas de nossa sociedade. E não culpemos a ciência, a tecnologia ou as descobertas contemporâneas por isso. Santos Dumont não criou o 14Bis à fim de ser instrumento de guerra. Falta ao homem saber utilizar o que lhe é oferecido para, assim como a turma do senhor meu amigo, manter laços verdadeiros de afeto e companheirismo. Aos avanços tecnológicos, somarão-se os avanços espirituais.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Ainda que


"Ainda que a métrica não esteja definida
Nem as estrofes obedeçam o padrão
Aqui vão os meus versos
Os versos do meu coração...



Ainda que

(Victor Ferreira)

"Ainda que os valores se percam
Que os números enfim prevaleçam
E os homens sejam o que têm
O amor não se foi de vez

Ainda que barreiras separem nações
Bombas arrasem multidões
E guerras sejam rotineiras
O amor não se foi de vez

Ainda que se tenham excluídos
Que o preconceito não seja banido
De tolerância não se ouça falar
O amor não se foi de vez

Ainda que de fome morra gente
Que penalizem os inocentes
E a miséria seja comum
O amor não se foi de vez

Ainda que o dólar não tenha alta
As especulações estejam em falta
E a Bolsa ameace quebrar
O amor não se foi de vez

Ainda que roubem os políticos
Que os poderes estejam corrompidos
E livres estejam os maus
O amor não se foi de vez

Ainda que aqueçam a terra
Que destruam as florestas
E a fauna entre em extinção
O amor não se foi de vez

Ainda que se mate por pão
Que vidas disputem o lixão
E trapos confudam homem e bicho
O amor não se foi de vez

Ainda que o tráfico domine favelas
Que mães acendam velas
E morram jovens em varejo
O amor não se foi de vez

O amor pois está escondido
Quem sabe até perdido
Procurando onde possa ser rei

Em pedaços se dividiu
E de singelo repartiu
A felicidade no mundo inteiro
No sorriso de uma criança
Numa troca de alianças
Ou no desabrochar de uma flor
Este não se esquivou

Colheu como quem colhe flores
Procurou os momentos mais doces
Para poder se apresentar
Sem muita exuberância
Dispensou a arrogância
Só assim se fez achar

Ainda que o amor caia
Ainda que o mal aja
E ainda que seja pouco o freguês
Ele não perde o encanto
Está em algum canto
O amor não se foi de vez..."



















sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010


"Dormir bem para viver melhor! 1,93 x 2,03 m de puro progresso e conforto. Além de desfrutar da magia magnoterapêutica e do benéfico poder da Freqüência Quântica, você ainda conta com o melhor em matéria de conforto, padrão de qualidade, resistência e durabilidade. O colchão bioquântico traz em sua composição homeopática a prevenção contra doenças cardíacas, tensões musculares e problemas respiratórios. Ainda é dotado de ação antiflamatória, aliviando dores e diminuindo inchaços. Promove a renovação celular e possibilita uma maior comunicação entre células nervosas. Previne e combate o estresse. Elimina toxinas do organismo, proporcionando um sono profundo e reparador. Acelera a recuperação nos processos traumáticos e pós-operatórios. Diminui a acidez do sangue, auxilia nos casos de fibromialgia e colabora nos tratamentos osteoarticulares. Toda essa grade de benefícios por apenas 12.000 $! É isso! 12.000$! Tenha o sono dos seus sonhos!" (Folheto publicitário)


"Sinha Vitória pensou de novo na cama de varas e mentalmente xingou Fabiano. Dormiam naquilo, tinham-se acostumado, seria mais agradável dormirem numa cama de lastro de couro, como outras pessoas (...) Outra vez sinha Vitória pôs-se a sonhar com a cama de lastro de couro (...) Sinha Vitória desejava uma cama real, de couro e sucupira, igual à de seu Tomás da Bolandeira. (...) Bem. Poderiam adquirir o imóvel necessário economizando na roupa e no querosene." (Vidas Secas - Graciliano Ramos)


Quando um folheto publicitário me veio às mãos ontem, em cujo conteúdo se revelavam as milacrias promovidas por um colchão mágico, o drama da família protagonista de Vidas Secas, obra de Graciliano Ramos, e o pequeno sonho da matriarca, uma cama de lastro de couro, me permitiram uma comparação instantânea sobre a dimensão que os sonhos vêm tomando. Aliás, se estão deixando de existir para dar lugar a um consumismo cada vez mais intenso e de relevante dimensão na vida dos nossos cidadãos.

Graciliano, quando pensou nas perspectivas que a personagem Sinha Vitória traria, de maneira a generalizar os sonhos do Brasil Miserável, não exagerou nem viajou demais. O móvel igual ao de Seu Tomás da Bolandeira que viesse a substituir a cama de varas repleta de lombos em sua composição, traria a felicidade para a mãe de família. Uma felicidade pura.

A felicidade, porém, que Sinha Vitória sentiria, seria de igual proporção à felicidade com que alguém deitaria no colchão bioquântico? Trocando em miúdos: alguém que pode dar doze mil reais em um colchão, acreditando nos seus poderes medicinais, sentiria o mesmo prazer ao lhe adquirir? A vontade de possuir tal produto é tão pura e despretenciosa quanto a de se possuir uma tão distante cama de lastro de couro? E a distância que lhes separa? A mesma? A publicidade que o colchão traz talvez já não conheça o quanto de perturbações se acompanham seus usuários e sua busca pelo livramento à qualquer custo das enfermidades que, na verdade, estão cravadas na alma?

Acredito que se fosse hoje escrever, Graciliano ainda insistiria na discussão social. Sabendo de tal colchão, revelaria quantos milhões de indivíduos dormem entre pontes e papelões e quantos podem desembolsar as mil dúzias de reais para a compra do artigo. Em entrevista sobre a obra, mostraria que a Casas Bahia lhes oferece a partir de 80,00 $ e que 1 colchão de ilusões equivale a 150 colchões de necessidade.

Se não deixasse a ousadia de lado, e os valores não fossem poupados, perguntaria se a solução para a euforia do homem moderno estava de fato no consumo. Perguntaria se a queda na Bolsa de Valores, a subida do dólar e os ajustes salariais desvantajosos poupariam o milionário, mesmo deitado no tapete de Aladim, do estresse e dos problemas cardiovasculares. Com ajuda do IBGE, Graciliano compararia a expectativa de vida do frenético homem urbano com a do humilde cidadão rural. E os leitores se perguntariam se é uma cama imperial que realmente traz qualidade de vida.

E o público ainda pensaria se alguém dara os 12.000 com esforço ou se o investimento tivera sido feito porque o consumidor não mais tinha com o que gastar. A este, mandaria emails com dados conscientizadores, parecidos com o da Casas Bahia, e lhe indicariam alternativas mais humanas para o emprego de seu dinheiro.

Voltemos ao anúncio. Ao anúncio somente. Visto que Graciliano não mais escreve, Sinha Vitória se distribui em milhões pelo mundo e as camas de lastro de couro continuam sendo outros milhões de sonhos. E é bem provável que sejam muito mais desejadas do quê os colchões de ouro. A conscientização não existe, o consumismo cresce e a felicidade, coitada, mais cara e inalcansável pros que mais podem adquirir o resto das coisas.