"E na clareza das palavras o mundo se fez entender..." (Victor Ferreira)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010


"Dormir bem para viver melhor! 1,93 x 2,03 m de puro progresso e conforto. Além de desfrutar da magia magnoterapêutica e do benéfico poder da Freqüência Quântica, você ainda conta com o melhor em matéria de conforto, padrão de qualidade, resistência e durabilidade. O colchão bioquântico traz em sua composição homeopática a prevenção contra doenças cardíacas, tensões musculares e problemas respiratórios. Ainda é dotado de ação antiflamatória, aliviando dores e diminuindo inchaços. Promove a renovação celular e possibilita uma maior comunicação entre células nervosas. Previne e combate o estresse. Elimina toxinas do organismo, proporcionando um sono profundo e reparador. Acelera a recuperação nos processos traumáticos e pós-operatórios. Diminui a acidez do sangue, auxilia nos casos de fibromialgia e colabora nos tratamentos osteoarticulares. Toda essa grade de benefícios por apenas 12.000 $! É isso! 12.000$! Tenha o sono dos seus sonhos!" (Folheto publicitário)


"Sinha Vitória pensou de novo na cama de varas e mentalmente xingou Fabiano. Dormiam naquilo, tinham-se acostumado, seria mais agradável dormirem numa cama de lastro de couro, como outras pessoas (...) Outra vez sinha Vitória pôs-se a sonhar com a cama de lastro de couro (...) Sinha Vitória desejava uma cama real, de couro e sucupira, igual à de seu Tomás da Bolandeira. (...) Bem. Poderiam adquirir o imóvel necessário economizando na roupa e no querosene." (Vidas Secas - Graciliano Ramos)


Quando um folheto publicitário me veio às mãos ontem, em cujo conteúdo se revelavam as milacrias promovidas por um colchão mágico, o drama da família protagonista de Vidas Secas, obra de Graciliano Ramos, e o pequeno sonho da matriarca, uma cama de lastro de couro, me permitiram uma comparação instantânea sobre a dimensão que os sonhos vêm tomando. Aliás, se estão deixando de existir para dar lugar a um consumismo cada vez mais intenso e de relevante dimensão na vida dos nossos cidadãos.

Graciliano, quando pensou nas perspectivas que a personagem Sinha Vitória traria, de maneira a generalizar os sonhos do Brasil Miserável, não exagerou nem viajou demais. O móvel igual ao de Seu Tomás da Bolandeira que viesse a substituir a cama de varas repleta de lombos em sua composição, traria a felicidade para a mãe de família. Uma felicidade pura.

A felicidade, porém, que Sinha Vitória sentiria, seria de igual proporção à felicidade com que alguém deitaria no colchão bioquântico? Trocando em miúdos: alguém que pode dar doze mil reais em um colchão, acreditando nos seus poderes medicinais, sentiria o mesmo prazer ao lhe adquirir? A vontade de possuir tal produto é tão pura e despretenciosa quanto a de se possuir uma tão distante cama de lastro de couro? E a distância que lhes separa? A mesma? A publicidade que o colchão traz talvez já não conheça o quanto de perturbações se acompanham seus usuários e sua busca pelo livramento à qualquer custo das enfermidades que, na verdade, estão cravadas na alma?

Acredito que se fosse hoje escrever, Graciliano ainda insistiria na discussão social. Sabendo de tal colchão, revelaria quantos milhões de indivíduos dormem entre pontes e papelões e quantos podem desembolsar as mil dúzias de reais para a compra do artigo. Em entrevista sobre a obra, mostraria que a Casas Bahia lhes oferece a partir de 80,00 $ e que 1 colchão de ilusões equivale a 150 colchões de necessidade.

Se não deixasse a ousadia de lado, e os valores não fossem poupados, perguntaria se a solução para a euforia do homem moderno estava de fato no consumo. Perguntaria se a queda na Bolsa de Valores, a subida do dólar e os ajustes salariais desvantajosos poupariam o milionário, mesmo deitado no tapete de Aladim, do estresse e dos problemas cardiovasculares. Com ajuda do IBGE, Graciliano compararia a expectativa de vida do frenético homem urbano com a do humilde cidadão rural. E os leitores se perguntariam se é uma cama imperial que realmente traz qualidade de vida.

E o público ainda pensaria se alguém dara os 12.000 com esforço ou se o investimento tivera sido feito porque o consumidor não mais tinha com o que gastar. A este, mandaria emails com dados conscientizadores, parecidos com o da Casas Bahia, e lhe indicariam alternativas mais humanas para o emprego de seu dinheiro.

Voltemos ao anúncio. Ao anúncio somente. Visto que Graciliano não mais escreve, Sinha Vitória se distribui em milhões pelo mundo e as camas de lastro de couro continuam sendo outros milhões de sonhos. E é bem provável que sejam muito mais desejadas do quê os colchões de ouro. A conscientização não existe, o consumismo cresce e a felicidade, coitada, mais cara e inalcansável pros que mais podem adquirir o resto das coisas.



4 comentários:

Nádia Rodrigues disse...

Victor, adorei o texto. Que maravilha saber que fiz parte de sua vida estudantil. Parabéns!!! Apenas uns deslizes ortográficos, mas em momento algum isso tira o seu talento como escritor. Sempre soube que irias longe, muuuuuito longe...

Beijossss!

Unknown disse...

olha aí, lembrando de Vidas secas. heheheheh

Anônimo disse...

Vitinho quero muito participar!!!se depender de minha pessoa já estou no projeto só vai depender de vc!!!Quero muito poder fazer parte desse grupo tão maravilhoso!!
Parabéns pelo trabalho liindo q está fazendo queriido!!!queroo poder fazer parte,na parte de voluntariado de animação!!!
Bjos...espero sua resposta tá queriido??
já está empolgada para meu novo trabalho estou resando q der tudo certo!!!

Anônimo disse...

Esse comentário é de Kaline vitinho!!!o comentário acima é pq não consegui fazer um outro imail!!!Bjso...queriido!!!