"E na clareza das palavras o mundo se fez entender..." (Victor Ferreira)

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Câmeras nossas


Pela décima primeira vez, o reality show que dispara o IBOPE da Rede Globo e movimenta as noites de verão de milhões de espectadores vai ao ar. E pela décima primeira vez, o processo aqui fora se repete. O programa é criticado, a edição é apontada como a pior, de mais baixa audiência, de menor nível moral dos participantes e de mais ridículas situações. Entretanto, há 11 anos o BBB é exibido e ao final de cada ano o público já se anima ao descobrir que a edição anterior não tivera sido a última.



Será que a repulsa de muita gente não é a de se ver retratada no tipos sociais que compõem a equipe de participantes e não querer admitir que o que se passa de ridículo nas personalidades e atitudes dos jogadores é somente um retrato dos valores que abrangem a nossa sociedade? Porque tanta repulsa? Porque tanto alarme? As novelas são criticadas por tratarem a realidade longe do que ela é. O BBB é criticado por deixá-la clara demais. Vai entender!



Apostar que a produção do programa forja as situações e estabelece uma espécie de roteiro para atrair audiência é uma maneira de não admitir que o ser-humano é capaz de tantas atrocidades para conseguir o que quer. Maquiavel já explicava isso muito bem quando alegava que os fins justificavam os meios, quaisquer que fossem estes. O que choca é saber que gente como a gente constrói esse leque de confusões, e se a baixaria é grande, não é por culpa da produção, do apresentador (apontado por Veríssimo) nem do repórter acéfalo (assim determinado pelo escritor), é tão somente por culpa da desvirtuação de princípios que nossa sociedade vem sofrendo.



Luís Fernando Veríssimo, num artigo escrito em janeiro de 2011, critica o repórter acéfalo por este falar que a casa está cheia de heróis. O escritor alega que heróis de verdade estão dando duro, trabalhando por uma vida digna, a trancos e barrancos. Tudo bem! Certíssimo! Mas fora da casa, os participantes são o quê? ET´S? Vieram de onde? Não vamos longe, o Big Brother já premiou duas empregadas domésticas. Aí é que está! É gente do nosso mundo, do mundo real, gente que trabalha, estuda, transa, come e dorme, que se encontra no confinamento vigiado.



É essa "baixaria" que mantém viva a audiência do programa e garante o assunto do almoço de domingo. Essa baixaria, na verdade, está presente em outros contextos do nosso cotidiano de maneira bem mais próxima e constante. E ver o nosso cotidiano na televisão pode não ser tão agradável para quem não reconhece nem aceita como real aquilo se passa.



"BBB não é cultura". Pra início de conversa, o que é cultura? Existe conceito que a defina? Não é algo que em gira em torno da manifestação de uma época? O retrato de um momento? Em pleno século 21, na era da bicicletinha e do rebolation, quem deveria habitar a casa por 3 meses? Clarisse Lispector, Olavo Bilac e Machado de Assis?



Não me interpretem mal nem me considerem adepto da falta de princípios. De forma alguma! O que faço aqui não é uma apologia ao programa, mas uma crítica ao ataque que este sofre. Um reality show com esses escritores com certeza provocaria conversas produtivas e transbordadas de poesia. Para mim e outra pequena parcela da população, este seria melhor. Mas infelizmente vivemos num tempo em que a unanimidade é outra, e é essa unanimidade que no fim das contas vai pagar o salário do apresentador, do repórter acéfalo e alimentará o prêmio de 1,5 milhão de reais. Quem dita que grade de programação permanecerá no ar é tão somente a população.



Antes de criticar, portanto, vamos pensar mais. Analisemos se a hipocrisia não está bem perto. Muito cuidado ao tentar ser intelectual, porque quem realmente pensa com objetividade sabe que existe tema muito mais alarmante para ser criticado e discutido.