"E na clareza das palavras o mundo se fez entender..." (Victor Ferreira)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Ufa!


Sinto, há 25 dias, o prazer e o alívio que me proporcionou a aprovação no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) no ano de 2010. É sobre esse sentimento e os precedentes dele que resolvi escrever hoje, visto que entrar numa universidade pública é um sonho pertinente à maioria dos estudantes.


"O que vais ser quando crescer?" virou bordão. Ninguém perde a oportunidade de perguntar a uma criança o que ela planeja para o seu futuro. Não me incluo fora do grupo. De maneira alguma! Diversas vezes já me peguei questionando meu irmão caçula sobre suas pretensões para tempos que virão. A resposta, na maioria das vezes, correspondeu às minhas expectativas - "Ator de teatro. Vou ser artista!" - da mesma maneira que correspondeu às do nosso outro irmão - "Vou ser jogador de futebol!" - ou às do nosso pai - "Vou ser o que você é!". Simples, não? Lembro-me que anos atrás, Hugo, irmão do meio, revelava - "Serei guarda de trânsito de dia. Jogador de futebol à tarde e, à noite, astronatura!" - Perceberam o conflito? Não é brincadeira. Por incrível que pareça, há quem fique à beira da inscrição para a grande prova em confusões parecidas. Fruto de quê? De uma personalidade mal resolvida ou de uma sociedade que nos pressiona desde pequenos a vivermos dentro das expectativas?


O ano de pré-vestibular, para quem o vive realmente (no sentido da preparação!), é exasperante e inquieto. Atribulada à rotina sufocante, há a responsabilidade de sabermos que a dedicação dada a ele e o tamanho desta vão permitir uma conquista de tamanho imensurável, pelo menos até agora, já que ainda não posso falar das posteriores. Relatam que a conclusão dos cursos e a aprovação em concursos liberam uma mesma dosagem de adrenalina e satisfação. O fato é que quem concluiu uma faculdade ou passou em concurso público, viveu, sem dúvidas, a prova de fogo para entrar na universidade e se acompanha, portanto, de certa experiência. Os pré-vestibulandos não. É como saltar de um penhasco a outro sem conhecer o abismo que os separa.


Do sistema de educação infantil ao sistema de ensino médio os estudantes não são poupados. O conteúdo dado é o exigido pela prova (de fogo!) e poucos conhecimentos realmente servirão para o resto da vida. Não é surpresa passar no vestibular e logo em seguida esquecer as essenciais fórmulas de Baskara, os princípios de Le Chatelier ou os macetes da geometria analítica. E não culpemos nossa mente por isso! Ela está em seu devido trabalho, selecionando o que realmente nos é necessário para uma vida inteira. Do que seriam as notícias das Bolsas de Valores, das enchentes em São Paulo ou dos terremotos no Haiti se a mesma estivesse ocupada em guardar todas as tão desnecessárias informações? Quanto aos valores morais, nem se fala. Poucas são as instituições de ensino que lhes têm na grade curricular. "Ai" dos nossos jovens se o vestibular os cobrasse!


Quanto à conciliação entre a razão e a emoção, conflito presente principalmente no dia da prova, sem comentários. 3 dias podem simplesmente julgar um jovem que desde a infância se prepara para a avaliação? É possível que alunos realmente dedicados sintam-se tranqüilos em saber que todo o desgaste tenha sido talvez em vão? É possível que alunos sem perscpetivas e pouco preocupados com a carreira acadêmica sintam-se aflitos e tensionados com a prova feita à toa? E nesse jogo de controle emocional, para quem realmente fica a vaga? Se o vestibular é desde cedo trabalhado em sala de aula, que seja desde cedo executado também. Avaliações anuais às quais os alunos submeteriam-se gradativamente trariam melhores e mais justos resultados.


Peço desculpa aos pré-vestibulandos de 2010 pela tensão que talvez tenha transmitido no texto, mas acreditem que ainda há, em tudo isso, algo positivo. É fato que não se cresce na zona de conforto. Talvez o gosto de ver o nome na lista de aprovados não fosse tão valioso se não existisse toda essa carga que o ano traz. Vivam-no realmente, entregando-se de corpo e alma a uma avaliação que, mesmo parcialmente irracional, lhes acarretará o título de universitários.



segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Sem saída


São evidentes e constantes as disparidades sociais que se apresentam no cenário de qualquer cidade. Para seus cidadãos, entretanto, as cenas se incorporam ao dia-a-dia da sociedade de forma costumeira e intrínseca, como um elemento de caracterização do local. Em cidades como a nossa, então, que a estrutura ainda pequena não permitiu a completa mistura entre classes diferentes, pouco podemos fazer uma real comparação. Para tal, ir à uma cidade maior e observar o quão grande é um abismo social torna-se inevitável.

Com destino à virada de ano em Recife, deparei-me com uma metrópole repleta de figuras que denunciaram a limitação da participação social de seus cidadãos. A princípio, algo novo me chocou. Os luxuosos prédios ilhavam-se em favelas e barracos ornamentavam os pés de majestosas construções. Mãe Luiza e Areia Preta, lá, não se dividiam. Fundiam-se em ambientes onde ficava claro que o espaço para o desfrute de um bem-estar não é abrangente.

O que aqui vos conto, no entanto, não é restrito a metrópoles nem ambientes específicos. Trata-se de sentimentos. Sentimentos universais. Diferenciados somente pelos contextos nos quais estão inseridos. Tristeza, frustração e desejo.

Posterior à virada, o passeio teve como destino um parque aquático da cidade. Após um dia inteiro de toboáguas, piscinas, cachoeiras e brincadeiras diversas, uma grade que separava o parque da praia de Maria Farinha, à frente, tornou-me atração. Não que me divertisse com isso, mas minha atenção foi tomada por completa. Um grupo de crianças carentes, com idades aproximadamente entre 7 e 12 anos, observava de fora o movimento que transbordava alegria dentro do clube. Num misto de sentimentos, prendiam-se alí, com as cabeças entre os canos da grade que suas mãos seguravam.

Havia nelas um desejo imenso de poder sentir o que se refletia no sorriso de tantos outros indivíduos. A tristeza, tal qual a frustração, tomava conta dos meninos que sabiam ser a distância que lhes separava do parque muito maior que aquela imposta pela grade. Os sentimentos sombrios, todavia, abafavam-se na alegria com que assistiam às aventuras permitidas pelos brinquedos. Conformavam-se em observar atentamente as expressões faciais, os urros de prazer e as declarações de emoções que ali escutavam sair dos que podiam usurfruir do parque. "Maneiro!", "Do caramba!", "Que frio na barriga!". Porque eram diferentes?

À noite do mesmo dia, o destino foi um notável fastfood no bairro no qual estávamos hospedados e meu irmão caçula, que também havia passado o dia no parque aquático, encontrava-se conosco. A lanchonete abrigava um pequeno playground, que lhe despertou vontade de brincar, naturalmente. Após toda a maratona enfadonha de água e desgaste, não havia quem se despusesse a lhe acompanhar nas instalações do parque. Assim sendo, nossa mãe vetou que brincasse naquele momento. A mesma frustração sentida pelas crianças de horas antes então se revelou no espírito de um menino cheio de oportunidades e mimos. Postei-me a observar. A distância que o separava daquele playground era tão grande quanto a que separava os meninos de outrora daqueles toboáguas? E a conformidade? Era a mesma? O que os confortava, talvez?

Os meninos confortavam-se com as emoções dos que podiam desfrutar do parque. Conformavam-se com isso, e a idéia de poder sentí-las era distante, quase inexistente. O meu irmão contentava-se em saber que dentro de poucas horas acordaria e teria outros parques, até maiores, à sua disposição. Nos dois casos, contudo, a tristeza, a frustração e o desejo se faziam presentes.

Pude assim compreender que os sentimentos desprezam quaisquer preconceitos. Desprezam quaisquer outras diferenças. Pude compreender que os sentimentos são abrangentes e universais. Pude compreender que os sentimentos jamais poderão ser tratados da mesma maneira como se tratam as diferenciações econômicas. Pude compreender que a dor não se esconde para um menino de favela. Pude compreender que a dor não se esconde para um menino de poder.