"E na clareza das palavras o mundo se fez entender..." (Victor Ferreira)

quarta-feira, 4 de abril de 2012

HOJE TEM VIDA NO CIRCO? TEM SIM, SENHOR!

O alagoano José Milton, que há quase quatro décadas leva alegria ao picadeiro, conta a história do personagem conhecido nacionalmente

Victor Ferreira
Foto: Érica Lima

Após a terceira tentativa de fugir de casa para seguir o rumo com o circo que se instalava na cidade, José Milton, na época com 13 anos, foi chamado pelo pai para uma conversa séria - Quem sabe não posso realizar seu sonho? Quer ir embora com o circo? – perguntou. O jovem não hesitou. A princípio estranhou, visto que este mesmo homem lhe houvera buscado no picadeiro nas outras frustradas tentativas de fuga - É o que mais quero em minha vida – respondeu. Mas não tardou para que o menino reconhecesse o pai - Vá embora com o circo, na condição de nunca mais voltar.

E assim o fez. Saiu de casa sem a benção do pai, foi-se com a trupe e nunca mais voltou. Estava decidido a enfrentar tudo em nome do seu sonho.

Não tardou para que José Milton encontrasse razão nas palavras do pai. Viveu de perto a humilhação, o sofrimento e o esgotamento. Lembra-se com tristeza de quando, ainda vigia do circo, tentava assistir ao espetáculo e, em uma breve desatenção, as crianças pulavam as grades. No fim das contas, tudo era descontado do seu salário.

Aos 15 anos, foi chamado para trabalhar em um circo menor, e o sonho pareceu estar mais perto de suas mãos. No novo emprego, tornou-se malabarista e passou a participar dos espetáculos. Com o tempo, aprendeu o número das dublagens, trapézio, mágicas e arremesso de facas. Mas foi em Rio Largo, cidade de Alagoas, que finalmente pôde conquistar as gargalhadas da platéia, quando convidado para substituir de improviso um palhaço que adoecera. De última hora, apressado em montar o número, perguntou ao chefe que nome daria o personagem – Desmantelo - ele sugeriu. O artista acatou. A platéia, o dono do circo, e o próprio José não imaginavam que estavam diante de uma das maiores promessas da arte circense do Brasil.

Quando se apresentava em uma sessão do circo em que José trabalhava, o compositor Luiz Gonzaga, já conhecendo o talento do artista, afirmou - Desmantelo é um nome feio para você. Ponha Facilita, o nome da minha música - e os caminhos foram facilitados para o palhaço.

Com o tempo, sempre organizado financeiramente e dispondo de equipamentos de cena bem cuidados, pensou ser a hora de montar o próprio espetáculo. Quando o circo se preparava para partir de Natal para a cidade de Arapiraca, José decidiu que era o momento de erguer o sonho.

Da estrutura que havia partido, restavam quatro fardos de lona, algumas tábuas da arquibancada e poucos utensílios de cena. Juntou com outros materiais, buscou o dinheiro guardado, e em pouco tempo a cidade de Macaíba recebia a estréia promissora do Circo do Palhaço Facilita.

A partir de então, sucesso, descobertas, gargalhadas, risos e muita alegria. Dividiu-se em números variados no espetáculo e conquistou a platéia na companhia da sua adorada macaca Xuxa, que há 27 anos colhe os frutos do estrelato. Legumes e frutas sempre em abundância e um camarim especial, onde estão guardados os seus figurinos para acompanhar Facilita no momento do show.

O artista mora no trailer que viaja com o circo. O espaço de pouco mais de 15 metros quadrados comporta sala, banheiro, quarto e um corredor que utiliza como camarim para montar o personagem. Se perguntado sobre a mistura entre o espetáculo e a realidade, José é conciso – Jamais. Do picadeiro para dentro, sou Facilita. Do picadeiro para fora, sou José Milton.

A pasta d água, o batom e o lápis preto escondem as rugas de alguém que já viveu muitas experiências. Sentado na escada do picadeiro, José contrasta a maquiagem e o figurino quando deixa as lágrimas escaparem e se recorda, com tristeza, da morte da mãe, e de quando, há 10 anos, sofreu um infarto no palco.
Hoje, com problemas de saúde, não se sente seguro para viajar pelos municípios com o espetáculo. Com o circo instalado na Zona Norte e prestes a partir para o bairro Planalto, ele se lembra do carinho que recebia do público quando passava pelos interiores e de quantos sorrisos já arrancou de quem lhe assistia. No picadeiro trabalham 13 artistas, que se dividem entre as várias funções com o José Milton.

Disposto a conquistar o sorriso da equipe pequena que fazia a reportagem, Facilita tenta alguns números. Manipula malabares, toca fogo na caixa que sai um pato são e salvo e faz pombos aparecerem dentro de um prato. - Isso que eu faço. Isso que você faz. O que todo mundo faz é encantado, se for feito com amor - conclui.