"E na clareza das palavras o mundo se fez entender..." (Victor Ferreira)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Sem saída


São evidentes e constantes as disparidades sociais que se apresentam no cenário de qualquer cidade. Para seus cidadãos, entretanto, as cenas se incorporam ao dia-a-dia da sociedade de forma costumeira e intrínseca, como um elemento de caracterização do local. Em cidades como a nossa, então, que a estrutura ainda pequena não permitiu a completa mistura entre classes diferentes, pouco podemos fazer uma real comparação. Para tal, ir à uma cidade maior e observar o quão grande é um abismo social torna-se inevitável.

Com destino à virada de ano em Recife, deparei-me com uma metrópole repleta de figuras que denunciaram a limitação da participação social de seus cidadãos. A princípio, algo novo me chocou. Os luxuosos prédios ilhavam-se em favelas e barracos ornamentavam os pés de majestosas construções. Mãe Luiza e Areia Preta, lá, não se dividiam. Fundiam-se em ambientes onde ficava claro que o espaço para o desfrute de um bem-estar não é abrangente.

O que aqui vos conto, no entanto, não é restrito a metrópoles nem ambientes específicos. Trata-se de sentimentos. Sentimentos universais. Diferenciados somente pelos contextos nos quais estão inseridos. Tristeza, frustração e desejo.

Posterior à virada, o passeio teve como destino um parque aquático da cidade. Após um dia inteiro de toboáguas, piscinas, cachoeiras e brincadeiras diversas, uma grade que separava o parque da praia de Maria Farinha, à frente, tornou-me atração. Não que me divertisse com isso, mas minha atenção foi tomada por completa. Um grupo de crianças carentes, com idades aproximadamente entre 7 e 12 anos, observava de fora o movimento que transbordava alegria dentro do clube. Num misto de sentimentos, prendiam-se alí, com as cabeças entre os canos da grade que suas mãos seguravam.

Havia nelas um desejo imenso de poder sentir o que se refletia no sorriso de tantos outros indivíduos. A tristeza, tal qual a frustração, tomava conta dos meninos que sabiam ser a distância que lhes separava do parque muito maior que aquela imposta pela grade. Os sentimentos sombrios, todavia, abafavam-se na alegria com que assistiam às aventuras permitidas pelos brinquedos. Conformavam-se em observar atentamente as expressões faciais, os urros de prazer e as declarações de emoções que ali escutavam sair dos que podiam usurfruir do parque. "Maneiro!", "Do caramba!", "Que frio na barriga!". Porque eram diferentes?

À noite do mesmo dia, o destino foi um notável fastfood no bairro no qual estávamos hospedados e meu irmão caçula, que também havia passado o dia no parque aquático, encontrava-se conosco. A lanchonete abrigava um pequeno playground, que lhe despertou vontade de brincar, naturalmente. Após toda a maratona enfadonha de água e desgaste, não havia quem se despusesse a lhe acompanhar nas instalações do parque. Assim sendo, nossa mãe vetou que brincasse naquele momento. A mesma frustração sentida pelas crianças de horas antes então se revelou no espírito de um menino cheio de oportunidades e mimos. Postei-me a observar. A distância que o separava daquele playground era tão grande quanto a que separava os meninos de outrora daqueles toboáguas? E a conformidade? Era a mesma? O que os confortava, talvez?

Os meninos confortavam-se com as emoções dos que podiam desfrutar do parque. Conformavam-se com isso, e a idéia de poder sentí-las era distante, quase inexistente. O meu irmão contentava-se em saber que dentro de poucas horas acordaria e teria outros parques, até maiores, à sua disposição. Nos dois casos, contudo, a tristeza, a frustração e o desejo se faziam presentes.

Pude assim compreender que os sentimentos desprezam quaisquer preconceitos. Desprezam quaisquer outras diferenças. Pude compreender que os sentimentos são abrangentes e universais. Pude compreender que os sentimentos jamais poderão ser tratados da mesma maneira como se tratam as diferenciações econômicas. Pude compreender que a dor não se esconde para um menino de favela. Pude compreender que a dor não se esconde para um menino de poder.

8 comentários:

Paulo Jorge Dumaresq disse...

Alvissareiro um jovem preocupado com questões sociais e com sentimentos humanos. Gostei bastante. Esse é um dos caminhos para tornarmos o planeta melhor. Outro é a arte que você faz tão bem. Forte abraço.

Sylvia Maria Cortês disse...

Amigo, to orgulhosa e tranquila.Nao sei sobre as disparidades socioeconomicas, mas vc vai ficar bem nao importa nem o resultado de amanha!
beijocas

Anônimo disse...

Gostando muito do seu jeito de escrever amigo!
Quenato ao assunto, isso já é um ótimo começo - a percepção da situação - para uma pessoa jovem ter. Muitos nem se quer se dão conta da situação e do mundo em que vivem, pricipalmente os mais abastados que só conseguem exergar o próprio "mundinho particular". Querer buscar o ideal é super complicado, mas a certeza que temos é que isso pode melhorar e muito! Basta a ação quando as pessoas começarem a ter uma visão periférica dos fatos!

Parabéns amigo! =D

André Araújo

Fernando e Cláudia disse...

Querido neto (fera federal)
Que venha 2010, feliz, cheio de paz e amor.
Estamos felizes.Parabéns!
Deus é seu guia e protetor.
No próximo ano, se Deus quiser, será a aprovação da sua prima.
Beijos, vovô Fernando, vovó Cláudia

Láh disse...

Victor,
parabéns um texto belissimo como tantos
outros.
A reflexão social a qual vc fez deve ser um exemplo para todos os jovens da nossa idade.
bju
='.'=

by Ursula

Késsia disse...

Victor,
fiquei feliz pelo otimo texto e pela sua preocupação com a desigualdade social, você tem um lindo coração...continue assim.
Um abraço...
Késsia

Unknown disse...

vc escreve mto bem! bjoss Larissa Welkovic

claudia disse...

será que está correto?