"E na clareza das palavras o mundo se fez entender..." (Victor Ferreira)

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Tablet da felicidade


No início deste ano publiquei aqui no blog um artigo cujo tema abordava a contradição que o uso da internet e dos meios de comunicação modernos vêm apresentando. O texto ressaltava que embora tais instrumentos encurtem as distâncias comunicativas, as relações humanas têm sofrido um distanciamento, uma superficialidade cada vez maior.


O tema volta à tona. Eis que com o surto dos Ipads, Smartphones, e a acessibilidade cada vez maior a computadores portáteis, tal como aconteceu com os aparelhos celulares ao longo da década de 90, pude dar de cara com cenas que revelam a alienação que o homem moderno se deixa levar.


Escrevo agora num ônibus a caminho da universidade. Ao meu lado está sentada uma jovem que escuta algo com fones no ouvido. Nas cadeiras da frente, uma senhora bem arrumada e um rapaz estudante também portam os ouvidos biônicos. Há pouco, um pedinte irreverente entrou no transporte e contou piadas que levaram os passageiros aos risos. Os musico-antenados mal se tocaram que existia alguém fazendo humor alí. Perguntar a hora, comentar sobre o calor, reclamar que o ônibus pára demais ou falar que o engarrafamento na Hermes é de tirar a paciência, só se for em consentimento ou telepatia. Nem mais engatar um diálogo curto, de ideias trocadas em vão, seria possível numa circunstância desta.


Aí me lembrei de uma senhora pra lá de caduca, que certa vez entrou no ônibus quando eu me acompanhava de um amigo. Ele ofereceu o seu lugar e ela aceitou. Só que permaneceu em pé, com a cadeira desocupada.


- A senhora não vai sentar? - Perguntei.


- Vou, meu filho. Estou esperando a cadeira esfriar!


Quando a figura finalmente se sentou, iniciamos um papo daqueles. Cheio de viagens, cronologia, abstrações, risos e muita, mas muita sinceridade. Em meio às suas pérolas, chegamos ao assunto Universidade. Entre mordidas no sabugo de milho que carregava e remexidas nas suas várias sacolas, ela indagou:


- E você já faz faculdade?


- Faço! Faço sim.


- Faz o quê? Direito ou Medicina? Vai ser doutor?


- Não! Eu faço jornalismo!


- O QUÊ? JORNALISMO? - Arregalou os olhos.


- Aham


- Vixe Maria... Meu filho, se eu lhe disser uma coisa, você promete que não fica chateado?


- Pode falar.


- Minha amiga tem uma filha que fez isso e hoje ela faz sabe o quê? Quentinha, meu filho! Quentinha!


Mal consegui respondê-la. Já me perdia em risos. Que figura!


- Mas minha senhora, ou a filha da sua amiga não era uma boa jornalista ou ela realmente gostava de fazer quentinhas e estava fadada a isso. Deveria ter feito gastronomia!


- E é?


- É. É sim!


O papo ainda se estendeu por um bom tempo e ela finalmente aceitou minha escolha profissional. Perguntou até se eu queria apresentar o Jornal Nacional. Respondi que seria uma boa, mas ela completou:


- Mas só quando "Boni" morrer, né?


Quanta programação! Cheguei à aula motivado. Sem ironia! Motivado sobretudo a escrever sobre isso. Porque cada vez mais tenho a certeza de que a comunicação move o mundo. E um papo assim, mesmo sem escrúpulo algum, deixou-me muito melhor que um silêncio provocado pela alienação tecnológica.


Outrora, aguardava minha vez num consultório médico quando algo parecido me chamou atenção. Um casal de seus aproximados 30 anos navegava nas redes sociais pelos seus Smartphones e empolgava-se nos papos que alí eram gerados. Víamos nas feições. A diferença é que cada um utilizava o seu, em mundos que pareciam completamente distintos. Tão conectados virtualmente, mas completamente dessintonizados na vida real.


Entendam que minha posição não é anti-tecnológica nem de aversão aos instrumentos que só vêm para simplificar a nossa vida. Ao contrário, sou adepto das redes sociais (muito embora ainda não tenha aderido ao Twitter) e acredito numa comunicação, tal como numa cultura digital. Mas o erro está no uso com que estes instrumentos estão sendo manipulados. Lembro-me de uma amiga mais velha contando que assim que o aparelho televisor foi lançado, a rua inteira se juntava na casa de sua vizinha para ver, mesmo completamente mal sinalizadas, as imagens que ali surgiam. O problema não deve estar na inovação em si.


Vamos à teoria. Para o jornalista e acadêmico Muniz Sodré, há uma diferença enorme entre vínculo e relação. Vínculo seria um contato profundo, surreal ao sujeito. Já a relação se estabelece nos contatos sociais, de padrões pré-estabelecidos. Portanto, pode-se ter uma relação sem se estabelecer um vínculo.


A visão de Sodré se aproxima da visão do estudioso em comunicação Martin Barbero, quando este relata, em entrevista cedida à Folha de São Paulo, que as redes sociais da modernidade permitem um gigantesco contato entre os seus usuários, mas é utópico pensar que vínculos também são estabelecidos. A sociedade moderna é completamente distinta da comunidade originária, onde os vínculos eram realmente presentes.


Portanto, em vez de realmente haver uma democratização e um avanço nas relações sociais, já que os caminhos para isso se apresentam bem mais abrangentes, internautas e adeptos da tecnologia vivem mundos cada vez mais fechados, irreais e repletos de ilusão.

Assistia a uma aula cuja professora, completamente antenada nesse mundo à parte (Sodré define como Bios Midiático), soltou que seu sonho, naquele momento de sua vida, era um Tablet. Alguns arregalaram os olhos. Que sonho mais puro! Que sonho mais singelo! Tanta gente sonhando em ganhar na Mega-Sena, viajar pela Europa, etc. e a minha professora sonhando com um tablete?

- Tablete de quê, professora? - Um colega perguntou.

- Ora, ora, ora. Você não sabe o que é um Tablet? - Retrucou espantada. O Bios que ela vivia não era o que meu colega, nem muito menos eu, vivíamos.

- Tem vários, professora. Pode ser de chocolate, rapadura...

A turma caiu em risos. Só mais tarde descobrimos que Tablet era mais um mundo portátil, que devia conter mais e mais funções que faziam a professora estar aqui e alí ao mesmo tempo. Algo como o aparelho que ela usou quando esperávamos há mais de meia-hora por sua aula e seu Twitter declarou "Estou presa num engarrafamento".

Findo então meu desabafo. Mais uma vez, peço que não me interpretem como um Fred Flintstone ou um atrasado no tempo. Estou nos sistemas de mensagens instantâneas, nas redes sociais, e quem sabe mais à frente até com um Tablet, embora ele não venha a ser, jamais, o condicionante de meus sonhos ou de minha felicidade. Que todos esses meios possam ser instrumentos de construção e fortalecimento de relações, e que não mais fujam da realidade na qual estamos inseridos. Corpo a corpo, telefone, email, MSN, scrap, SMS, Twitter, blog, não importa. Em todos prezarei pela comunicação sincera, direta e eficiente.




7 comentários:

Rafa Araújo disse...

Por incrível que pareça eu estava pensando nisso essa semana !! Realmente cada vez mais as pessoas estão se isolando, daq a pouco vamos esquecer o quanto é bom interagir uns com os outros.

Angelina disse...

Legal esse post, até concordo com você, mas sou totalmente viciada em internet, você sabe. Passo horas no computador, nesse tempo, esqueço de comer (ou como demais sem notar), de assistir algo na televisão, de sair com minhas amigas(até porque, já estou falando com elas o tempo todo), até alguém me falar "Ei, esqueceu da sua aula foi?", aí eu saio correndo... E quando a internet cai ou fica fora do ar?? O ideal é evitar qualquer contato verbal comigo, porque eu estarei completamente sem paciência e estressada! Mas o mundo atual exige isso, meus professores divulgam as notas na internet, os textos pra debater em sala estão na internet, assisto palestras e mesas redondas online quando estas acontecem fora de Natal, tenho amigos que moram muito longe, até curso na internet eu já fiz... Mas quase todo dia, quando eu saio do computador, meus olhos estão doendo, minha coluna também, não sinto meus pés... E tenho a leve impressão de não ter feito nada o dia todo. :(
Achei bem interessante o post, bem dentro da minha realidade, aliás, da nossa realidade. Gosto da forma que você escreve, parabéns. :*

Anna Paula Dionizio disse...

concordo TOTALMENTE. adorei o texto e o blog. estarei sempre dando uma olhada.
também tenho um blog. "umamacadotopo.blogspot.com"
parabéns pelo blog e pelos ótimos textos (:

Sarah disse...

Adorei o texto! E é verdade. Pensei nisso recentemente... O que resta é cada um ter dicernimento de quando e como usar essa tecnologia. Eu não usaria um tablet pra checar meu Facebook em um consultório com meu marido/noivo/namorado/não-sei-o-que-eles-eram, só se fosse realmente necessário...

Unknown disse...

eh verdade, ja ouvi uma frase que define bem oq escreveu, " a internet aproxima quem está distante e distancia quem esta por perto" eh bem por ai, mas suas crõnicas ta mais parecido com Jabor q Bonner viu Victor,
parabens.

Alisson Almeida disse...

Bacana seu blog e o artigo. Está favoritado aqui.

rs disse...

sério que cê entendeu sonho no sentido literal?

Todo mundo exagera quando fala, gente